Numa noite qualquer, como todas as outras de suas semanas, Alberto abriu a porta de casa, largou os sapatos no tapete e se jogou no sofá, exausto.
Por alguns instantes fitou o teto de seu apartamento e passou as mãos gastas no cabelo molhado de suor. Tudo se tornava cansativo, e, para ele, desesperador. Vinte e poucos anos e já se sentia um escravo da rotina moderna que se tornara sua vida; casa, trabalho, almoço corrido, trabalho, relatório atrasado, hora extra, casa, sono insuficiente, e o dia seguinte.
Alberto via-se longe do que havia sonhado para seus dias, e enquanto afundava a cabeça nas almofadas de seu sofá lembrou-se da infância feliz que tivera, dos domingos em família no parque, do primeiro beijo, das tardes de sua juventude com os amigos e o violão, da paixão pelo mar...e pouco depois adormeceu ali mesmo.
Nos próximos dias acordaria as seis e meia da manhã, não por necessidade, mas por vontade. Queria ver o sol nascer da varanda de sua casinha à beira do lago, enquanto tomava seu café quente e fumava seu cigarro.
Pouco depois caminharia os dois quilômetros que o separava da deserta praia de onde a partir de então, ele faria seu lar. No caminho colheria as mangas já maduras, e as dividiria com os pequenos micos que, à noite, frequentavam seu quintal. Derrubaria ainda um ou dois cocos, dos quais beberia a água e comeria as raspas enquanto tocava seu barco para longe do cais, rumo às águas abertas dos mares que de tão azuis tornavam difícil a tarefa de definir em que ponto do horizonte, acabava o mar e começava o céu.
Quando o sol começasse a se pôr, faria diariamente amor com a mulher amada, nas areias, onde a natureza - e apenas ela - seria sua testemunha. Prepararia os peixes que trouxera do mar para que tivessem uma maravilhosa refeição e, à noite, leria um bom livro antes de dormir com as portas e as janelas de casa abertas.
Desta forma pensaria até em ter filhos, dois ou três meninos, talvez. Ele os levaria todos os dias ao mar e os ensinaria a pescar. Fariam uma fogueira toda noite, pai, mãe e as crianças, onde contariam histórias e celebrariam o amor. Ensinaria, ele próprio, os meninos a ler com a 'Odisséia' de Homero e 'Tom Sawyer' de Mark Twain. Mostraria, à medida que eles fossem crescendo, que o homem e a natureza constituem apenas um ser, e os ensinaria a tratar os animais como seus irmãos.
Envelheceria cultivando o hábito de diariamente acompanhar o nascer e o pôr do sol, e alegraria-se ao ver seus filhos amarem e respeitarem suas mulheres, como ele amou e respeitou a sua, e como todos deveriam amar e respeitar as suas próprias.
Longe do escritório, dos lucros, do falso moralismo de sua sociedade, e de tudo aquilo que o sufocava, Alberto se tornaria o homem mais feliz que um dia existiu na face da Terra, e, naquela noite, meus amigos, naquela noite em que ele adormeceu no sofá, ele desejaria mais do que tudo, que seu despertador não tocasse como de costume, às quinze pras seis da manhã do dia seguinte para que ele se arrumasse para a rotina da vida moderna.
"se admitirmos que a vida humana pode ser regida pela razão, então qualquer possibilidade de vida está arruinada" - Leon Tolstoi
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4 comentários:
É uma pena a sociedade impôr as regras de felicidade, daí tudo acaba e vc descobre que viveu a mercê somente de preocupações para garantir seu "futuro perfeito".
Certamente vc tem grande parte desse Alberto em vc.
Sua sensibilidade é incrível, parabéns!!
;*
Prazer, Alberto! Hhaha.
Dica de filme que tem tudo haver com seu post: Na Natureza Selvagem (into the wild). E se tiver no clima mesmo, tem outro mais antiguinho Jeremiah Johnson com o Robert Redford. É a história de gente tipo seu persnagem, que cansou do asfalto e foi pro meio do mato. Mas ambos são tristes à beça... Na Natureza selvagem é baseado em fatos reais!
Um abraço!
P.S.: Doido pra recomeçar na faculdade por causa daqueles papos de quarta-feira! Haha!
Acho que é hora de atualizar, hein...
Muito bom, parabéns!
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