A garagem do hospital já estava praticamente vazia quando Carlos desceu pelo elevador com
seu habitual café e as olheiras que denotavam sem esforço algum que o mesmo já não dormia a algum tempo.
Enquanto caminhava a passos curtos em direção a seu Audi A3 ele ajeitou o rolex no pulso e checou a hora. Quinze para as cinco da manhã do dia 10 de Junho de 2008. A terça-feira mal começara e já carregava o fardo de ter sido o pior plantão da vida de Carlos. Ele havia perdido três pacientes na emergência e sentia-se pisando no juramento que havia feito há quinze anos quando se formou doutor, embora soubesse que havia feito tudo o que estivera a seu alcance, como sempre.
Cansado como nunca antes, ele deu a partida no carro e manobrava cada curva até a saída do local, enquanto seu pensamento tentava manobrar cada curva do labirinto que parece ser a mente humana. Passou ao lado da cabine de saída, onde o funcionário noturno fingindo não dormir fingiu um cumprimento, que Carlos fingiu não ver. Meia hora depois ele chegava a seu apartamento na lagoa.
Ao entrar apanhou no chão duas cartas do Banco Real destinadas à Alice, que embora houvesse o abandonado a cerca de um mês quando descobriu as traições ainda não havia indicado ao correio seu novo endereço.
Largando suas coisas no sofá, Carlos olhou para a secretária eletrônica que indicava dois novos recados que fez questão de não ouvir. O aparelho causava-lhe vergonha, pois o fazia lembrar do dia em que Alice escutou os recados de Cíntia para ele, revelando seus sucessivos adultérios. Desde então, vinha descobrindo em doses homeopáticas de remorso o quanto amava sua esposa, e a estrondosa falta que ela fazia à ele.
Carlos desabou em sua poltrona favorita enquanto ligava o rádio que estava sintonizado na Band News. O locutor proferia animado o famoso bordão da rádio: "Band News 24 horas - Porque em vinte minutos tudo pode mudar". Malditos vinte minutos, pensou Carlos.
Naquele instante lembrou-se da imagem da menina chegando ao hospital com a perna semi-amputada, horas atrás. Ele fez tudo o que pôde para salvá-la, e teve a certeza de que o teria feito se ela tivesse chegado os malditos vinte minutos antes na emergência do quinta dor.
Com uma lágrima errante a escorrer por seu rosto, Carlos pensou mais uma vez em como um fator aparentemente simples como o tempo rege os homens e tudo ao seu redor, absolutamente tudo.
Com um amargo peso em sua consciência ele se levantou e foi até o bar do apartamento, colocou dois dedos de whiskey no copo, e tomou um gole enquanto fitava o porta-retrato que outrora ostentava uma bela imagem dele e sua esposa em Milão, na lua de mel. Agora restava apenas uma rachadura no vidro e a madeira roída.
Munido de um desespero sufocante, Carlos dirigiu-se à varanda, onde os primeiros raios de luz já anunciavam a chegada de um novo dia. Ele tentou alinhar em sua mente todas as boas vibrações que um belo nascer do sol pode fornecer a uma pessoa, mas tudo parecia apenas detalhe.
Movido por algo que uns chamam de coragem e outros de covardia ele Tirou a camisa, colocou delicadamente o copo de scotch sobre uma mesa e suspirou o último segundo de desgosto que pôde.
Depois disso, sentiu apenas o frio vento que cortava seu corpo enquanto o mesmo caía, até atingir as bordas da piscina de seu condomínio, para nunca mais sentir o que quer que fosse.
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